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Sep 01, 2023

Colheita comunitária de pinhão ajuda a proteger as araucárias do Brasil

SANTA CATARINA, BRASIL — Um tom alaranjado sereno corta o horizonte com os primeiros raios de sol ao amanhecer no interior montanhoso do segundo estado mais ao sul do Brasil, Santa Catarina. O céu claro paira acima do solo, que está coberto por uma fina camada de gelo. À medida que o sol nasce, a geada derrete e o vapor d'água sobe do solo, deixando uma fina cortina de névoa levemente branca. A paisagem enfumaçada de uma geada matinal é uma ocorrência típica durante o inverno nesta região montanhosa. Na cozinha da casa de Sara Aparecida e Silvino de Liz Rosa, crepita o fogo a lenha aquecendo o ambiente enquanto o casal se serve do chimarrão, tradicional bebida quente do sul do Brasil, semelhante à erva-mate.

O dia começa cedo na fazenda Santo Antônio do Caveiras, localizada na comunidade Mortandade, no município de Painel, sertão catarinense. A poucos passos da porta entreaberta, avista-se o tronco de uma araucária de 20 metros de altura. A árvore é uma fêmea da espécie e tem cerca de 45 anos. "Quando eles construíram a casa, o pinheiro tinha apenas 2 metros de altura. Hoje, ele guarda o terreno abaixo e é uma espécie de tesouro de família, pois produz mais de 200 pinhas por ano", disse o filho do casal, Jaison de Liz Rosa.

Dono de uma fazenda vizinha, a poucos quilômetros dali, no Morro do Bacheiro, o agricultor da família e seu pai são catadores de pinhão de araucária desde que se conhecem. A prática é antiga na região, que abriga a maior população de araucárias do estado. Na área que forma o Planalto Serrano Catarinense, a Araucaria angustifolia — também conhecida como pinheiro brasileiro ou pinheiro do Paraná — é a espécie predominante. É a principal característica das florestas úmidas de araucárias, ou florestas ombrófilas mistas, como são conhecidas oficialmente, que fazem parte da Mata Atlântica brasileira. É também a única floresta natural desse tipo no país.

A semente da árvore, conhecida como pinhão em português, é um símbolo da cultura e culinária da região. Esse tipo de pinhão também é a mola propulsora de uma cadeia produtiva que envolve mais de uma dezena de municípios do sudoeste catarinense. Lages, Bocaina do Sul, Painel, São Joaquim, Bom Retiro, Urupema, Urubici, São José do Cerrito e Bom Jardim da Serra respondem por cerca de 75% do mercado de pinhão com araucária em Santa Catarina.

Nesta área rural, diferentes segmentos da sociedade, como ONGs e organizações de agricultores, estão trabalhando juntos para promover ações que visam combinar ciência empírica e acadêmica, valorizando o conhecimento e o saber tradicional para fortalecer cadeias produtivas sustentáveis ​​que preservam e restauram a vegetação nativa , e ao fazê-lo, garantir a subsistência das comunidades locais.

A extração do pinhão com araucária, integrada ao sistema agroecológico, gera renda para centenas de famílias da região serrana e oferece oportunidades para promover a agricultura inclusiva, a conscientização coletiva e a preservação ambiental. O investimento em comida de verdade combinado com associações comunitárias ativas aponta o caminho a seguir para as pessoas e as florestas da região.

Natal João Magnanti, coordenador do Centro Vianei de Educação Popular — associação que vem prestando assessoria em agricultura familiar, agroecologia e segurança alimentar na região — disse que grande parte das iniciativas atuais já vem sendo discutida há muito tempo. "Tudo faz parte de um processo de desenvolvimento sustentável da região. O crescimento é gradativo, pois estamos falando de uma rede que ainda está em uma posição de marginalidade, em um mercado que só quer lucro", disse.

Em 2009, os agricultores rurais conquistaram a isenção do ICMS, imposto sobre vendas e serviços que onerava o preço final de seus produtos e representava mais um obstáculo para a formalização da cadeia produtiva e varejista, ainda muito baixo. "Estamos falando de uma cadeia produtiva majoritariamente informal, com poucas exceções. A parte legal do setor fica entre 10% e 30%", disse Magnanti. Centenas de catadores de pinhão com araucária comercializam seus produtos in natura e industrializados, sem a devida documentação fiscal. Grande parte da safra é comercializada clandestinamente, sendo a regulamentação vigente um dos principais entraves na cadeia produtiva.

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